Bem Vindo

Um espaço para troca de experiências, reflexões, dúvidas referentes ao universo dinâmico e surpreendente do inconsciente.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A Mordaça:

Penso que há  tipos de mordaça, o objeto em si; e  a mordaça psicológica, emocional, um "cala a boca" para as emoções. Percebemos alguns indivíduos adultos bem amordarçados com os seus sentimentos, aqueles que se calam ou que transmitem a sensação de que não há nenhum incômodo, ou sofrimento sentido.



Percebe-se pais ou responsáveis que relatam que o seu filho atravessou etapas do desenvolvimento psicológico com muita facilidade. Não coloco que as etapas necessitam ser vivenciadas com uma carga exaurida de sofrimento e afeto, mas há sem dúvida algum sentimento experimentado, principalmente o de perda. Perda do cuidado exclusivo, total, da atenção, em prol de uma adquirida  autonomia, de um crescimento.


Refiro as etapas básicas da criança, como por exemplo, o andar, o desfraldar, o tirar a chupeta, o dormir sozinho sem os pais, enfim todo um desenvolvimento maturacional de uma individualização do eu, das emoções, das percepções.


Portanto esta chamada "facilidade" no lidar com a criança é algo que parece estranho, pois somos já indivíduos muito complexos, e portanto não muito fáceis de lidar. O adulto sofre com uma perda, com uma mudança, ou com sentimentos de ciúmes, inveja, angústia, rejeição. Então como uma criança em sua imaturidade não sentirá estes tipos de mudança, de vivência? Será mesmo?


Podemos pensar que talvez seja uma dificuldade interna dos pais de poderem lidar e enfrentar as angústias da criança pequena, sendo então melhor ela não sentir, pois assim, não sentiremos também. Estava lendo um estudo outro dia, contendo um exemplo de caso clínico, no qual a mãe relatou que em sua ausência de casa para ganhar um outro bebê no hospital, no seu retorno para casa, o seu filho mais velho pareceu nada sentir de diferente, nada sofrer perante esta mudança, a não ser que ficou exigente com a comida.


Enfim, é um caso que mais tarde desenvolveu um quadro psicossomático grave que pôde ser tratado em análise. Outro dia havia uma avó tentando se utilizar de todos os recursos possíveis, ou melhor tentando calar aquela angústia sentida, em aplacar o choro e o desespero da neta que queria a chupeta, na qual não se tinha no momento. Precisa calar? A criança tem que ser calada no momento que desejamos? Quer dizer, ela não pode sentir frustração, angústia? Como lidar com estas situações?


Se a criança pequena não puder sofrer angústia, seja pelo medo da perda, da rejeição, ou até de uma mudança de rotina, ou pelo crescimento, então provavelmente não terá também esta mesma condição de enfrentamento dos sentimentos na fase adulta. E parece que nos deparamos muito com este fato tanto na clínica como fora dela também. Casos em que a criança quando manifestava qualquer indício de angústia era imediatamente calada no seu sofrimento por um adulto que por também não possuir recursos internos capazes, não suporta ou não sabe entender e assim, conseguir ajudar a criança a lidar com um mal estar instalado.


Uma outra avó, lamenta e se revolta com o pai do seu neto, por este está muito sentido com a chegada de um irmãozinho na família, como se o sofrimento devesse ser imediatamente aplacado, amordarçado, reforçando assim todo um aspecto de onipotência, de negação da criança perante a realidade, o mundo externo. A mordaça pode ter esta finalidade de não enfrentamento da realidade assim como da própria realidade interna da criança, das suas fantasias geradas pela sua vivência e percepção deste exterior.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A Dependência da Análise:

Como seres humanos que somos, dependemos desde que nascemos do outro visando a nossa sobrevivência. Dependemos do seio da mãe, do seu leite que nos alimenta. Dependemos de um cuidado e uma atenção integral neste momento. Dependemos de alguém que nos carregue no colo, que cuide de nossa higiene diária, que acalme a nossa angústia, que nos insine a andar, a comer, a ir ao banheiro, a termos limites. Enfim, somos seres necessariamente dependentes!!!!!


Dependemos da escola, da família, da sociedade, da amizade, pois somos seres sociais, dependentes de uma comunicação para viver, de uma interlocução.


Portanto penso ser muito curioso quando na clínica escuto que há o medo da dependência do tratamento: - " Não quero ter de depender de você, da análise."  O bebê não opta por ser um indivíduo dependente, simplesmente é.


Deixo claro que é uma ilusão acreditarmos numa independência completa, ou seja, numa auto- suficiência.
Precisamos nos relacionar com o outro, com o mundo para prosseguirmos com a continuidade do ser, da vida, da sociedade, caso contrário o ser humano se extinguirá da Terra.


Quando o sujeito verbaliza o seu medo da dependência da análise, do tratamento, ele está absolutamente coerente com a realidade, pois há uma dependência inicial, assim como ocorre com o bebê, para conseguir alcançar a sua independência, ou como costumamos aceitar melhor, conseguir andar sozinho caminhando com os seus próprios pés.


Quando nos deparamos num primeiro momento com a questão "dependência", logo buscamos reagir contra, por acreditarmos se referir a uma prisão, a uma amarra sufocante que nos paralisa diante da vida, que nos impede que sejamos indivíduos únicos no mundo.


Há também uma negação, uma rejeição de um desejo primitivo ao retorno da relação mãe- bebê. Uma relação exclusiva, simbiótica, na qual vivíamos como "reis" ou "rainhas" num mundo todo nosso, todo poderoso que comandávamos tudo e todos, assim vivenciávamos em nossas fantasias. A impressão deste mundo retorna, inconscientemente, em muitas situações de nossas vidas, quando sentimos a falta de um "colo", de uma proteção, um afago, carinho, quando aparece o sentimento de posse, ou de ciúmes, inveja, onipotência.


A dependência estando o sujeito em análise ou não, ela circunda e predomina a vida, dependendo da situação e de cada indivíduo, dependerá também a sua intensidade. O conceito que se aferrenha de que a psicanálise deixa o indivíduo dependente do analista (mãe) não possui uma comprovação teórica e nem prática.


A dependência está intrínseca na relação dual, dentro ou fora da psicanálise, do setting analítico. Neste setting a dependência é necessária, assim como ocorre inicialmente com o bebê que se mistura com a mãe, sendo portanto a mãe como sua extensão, e não um ser à parte dele. Com um desenvolvimento saudável a criança começa a visualizar a mãe como um ser distinto dela e vice-versa, começa a andar, a comer, a fazer sua higiene sozinha, e prossegue com uma autonomia.


Assim é com a psicanálise, o sujeito começa como um bebê que necessita dos cuidados maternos exclusivos e intensos, sendo aos poucos possível o seu desenvolvimento, o seu crescimento e independência, ou seja, uma maior condição de enfrentamento do mundo tanto externo quanto interno.